Este blog é composto de textos extraídos do belíssimo e raro livro de 1938 chamado "Novo Manual das Mães Cristãs" do Reverendíssimo Padre Theodoro Ratisbona da Editora Vozes.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

XXV. Norma de procedimento


             Uma boa norma de procedimento, precioso privilégio de sabedoria cristã, é particularmente necessária à mãe de família.

           Para se dirigir a si mesma e para dirigir os outros, ela necessita de uma luz que, esclarecendo a sua própria consciência, projete serena claridade sobre tudo o que a cerca. Sem isto a vida não é mais do que uma marcha aventureira, semelhante à de um carro sem condutor.

               Ora, o que revela uma boa norma de procedimento é o olhar reto, a palavra branda e a mão firme.

               A primeira qualidade é a retidão do olhar, que supõe o conhecimento do fim que se deseja atingir, pois a escolha dos meios, o discernimento das circunstancias, o desfecho das complicações, as decisões refletidas e todas as determinações do pensamento e da vontade dependem evidentemente do termo final a que todos estes atos devem tender.

              Quando o ponto de vista está nitidamente fixado, a linha reta se desenha por si mesma e todos os movimentos da vida seguem a direção do móvel inicial.

               “Se o vosso olhar é simples – diz o Evangelho – o vosso corpo é todo luminoso”; o que quer dizer que toda a esfera da nossa atividade se clarifica quando a nossa intenção é pura. As perplexidades e os passos falsos não se multiplicam senão quando no nosso proceder falta princípios. Então o espírito flutua no vago; a nossa marcha é incerta; avançamos e recuamos; ligamos e desligamos; começamos e recomeçamos, mas sem acabar jamais a obra começada; e o tempo se passa assim a desfazer e a tornar a fazer o que tinha sido mal feito.

             A retidão, além disso, é o mais seguro, o mais breve e o mais digno de todos os caminhos e é geralmente a condição do êxito e da honra.
            As linhas retas, na verdade, podem encontrar oposições e atravessar interstícios, mas como nada lhes mudaria a direitura, acabam sempre por triunfar; ao passo que as linhas obliquas se quebram de encontro a obstáculos imprevistos e trazem quase sempre a falsa prudência que as traça.

               Se, pois, a mãe cristã se quer dirigir conforme às vistas de uma prudências superior, é preciso que ela se apóie na fé e siga em linha reta a verdade. 


A segunda qualidade de um bom teor de vida é a mansidão. “Bem aventurados os mansos, porque eles possuirão a terra!” Não se trata aqui de uma certa mansidão que procede mais do temperamento do que da virtude. Esta, como as plantas que crescem apenas à superfície da terra, não dá fruto.

               A verdadeira mansidão tem uma origem mais alta; é como que um fluxo da graça divina, infusa e liquefeita no coração dos cristãos. “Diffusa est gratia in cordibus nostris per Spiritum Sanctum qui datus est nobis”; virtude delicada que tem a sua fonte no céu e que tanto mais copiosamente se difunde quanto mais vazio de amor-próprio está o coração e mais arredado dos elementos da natureza má.
            A mansidão sobrenatural não se adquire sem íntimos esforços e combates. E é preciso violentarmo-nos; é preciso possuirmo-nos a nós mesmos na paciência; e é preciso ainda , para a desenvolvermos, o exercício habitual da prece e da comunhão.

               Então ela se produz gradualmente com todas as suas propriedades comunicativas e é como essa substância de que as crianças tanto gostam, que não somente é doce em si mesma, mas que também adoça todas as outras substâncias com as quais se mistura.

           A mansidão evangélica tem sido perfeitamente figurada pela unção de óleo que penetra com suavidade as matérias mais opacas, nutre e transmite a luz, cura as feridas mais inveteradas e reina sobre os outros líquidos, mantendo-se sempre acima do nível deles. De igual modo a verdadeira mansidão se insinua nas almas e as transforma, domina pelos seus atrativos e pelos seus encantos e, segundo a palavra do Evangelho, possui a terra, pois que conquista os corações, impondo-lhes o império da sua amenidade e das suas simpatias.

               Lê-se na Escritura que uma língua suave é mais melodiosa do que os sons da flauta e as vibrações da harpa ou da cítara e lê-se ainda ai que o homem brando tem mais forças do que o poderoso e intrépido. Queremos nós adquirir esta virtude soberana? Dirijamo-nos Àquele que é o ao mesmo tempo o nosso Mestre e o nosso Modelo. “Aprendei de comigo – diz-nos Ele – a ser manso e humilde de coração”. 

           Esta divina virtude não é o mel, como diziam os antigos; não é o açúcar que a abelha procura nas flores; não é mesmo o doce sorriso que a mãe pede a seu filho. Tais imagens não sã
o bastante expressivas, pois não há nada na terra que possa dar uma idéia exata da mansitude evangélica. O Salvador no-la mostra nos seus atos: Ele distribuía constantemente o bem pelo mal; não respondia aos que o ultrajavam; não tinha nos lábios senão palavras de benevolência e perdão; e marchava a espalhar em torno, como um sol de bondade, os raios carinhosos do seu inexaurível amor. 


               Educada na escola de Jesus Cristo, a mãe cristã será mansa e amável se, despida de todo o ressentimento e aspereza, atrair a si as efusões da verdadeira caridade. O mel e o absinto não se hão de misturar no mesmo coração. Mais espinhos terrenos se arrancarão de uma alma, mais flores do céu aí germinarão, graciosas e fragrantes.

               Todavia, a indispensável companheira da mansidão é uma máscula firmeza. Estas duas virtudes evangélicas se chamam uma à outra, mutuamente se ajudam e estreitamente se abraçam. A firmeza é a terceira condição de uma boa norma de procedimento. 

               Com efeito, se a mansidão é uma emanação da bondade divina, ela repelirá necessariamente todo o contato com o mal. O próprio da bondade é rechaçar a maldade, como o próprio da verdade é rejeitar o que é falso. A firmeza cristã se manifesta, sobretudo ao tratar-se de Deus, da religião e da consciência.

               Nestes assuntos as concessões não são possíveis. O próprio Jesus Cristo não infringia a lei da mansidão, quando fulminava com a sua palavra severa o vicio, o orgulho e a hipocrisia.

               Sem dúvida a mãe piedosa não oporá, aos ataques da impiedade, discussões mordazes; nem pretenderá converter a multidão estúpida e os incrédulos satisfeitos consigo mesmos; mas, quando lhe provocam a fé, ela deve encontrar em seu coração acentos firmes e convencidos. Ela tolera os homens com as suas fraquezas, as não suporta o vício, não transige com as falsas doutrinas e, longe de se deixar abalar pelo desalento dos que tombam, permanece de pé e estende-lhes a mão para os reerguer.
               O Eclesiástico nos oferece em termos simbólicos os traço da mulher forte. “Ela vigia em sua lâmpada; ela maneja o fuso; ela rirá no derradeiro dia”.

               Sob o véu destes emblemas, todos os caracteres se descobrem de uma boa norma de procedimento. A lâmpada é o símbolo da consciência; é uma luz que se não deve jamais extinguir e que reclama por isso uma vigilância ativa e constante.

               O fuso representa os humildes misteres do lar e dos deveres que a mulher desempenha com temor e com amor; o temor de Deus, que afasta os perigos da ociosidade e das preocupações frívolas e com o amor de Deus, que atrai a graça e assegura a fortuna.
               Estas alternativas de temor e de amor, segundo a interpretação engenhosa de Santo Agostinho, são figuradas pelo trabalho do fuso: “O fio atravessa o pano por meio do fuso que o conduz. A agulha entra primeiro para tornar logo a sair, afim de que o fio a vá seguindo. Assim o temor de Deus penetra a alma, não para ai demorar, mas para introduzir o amor.” Tratado IX in Joan.

              Seria um erro acreditar que a força da alma consiste em fazer grandes coisas: consiste antes em fazer grandemente as pequenas coisas e quando se aplica seriamente à ordem interior da família e às particularidades obscuras do serviço domestico, ainda mais virtudes exige do que as ações brilhantes.

               “A mulher forte rirá no derradeiro dia”, acrescenta o livro sagrado. Mas ai de tantas que choram no derradeiro dia! Por que choram elas? Porque em tudo o que fizeram nunca procuravam senão uma vida de risos.

               Chega enfim a hora em que as realidades sucedem aos sonhos, aos enganos e às miragens. Então é que, já muito tarde, se reconhece a irremediável loucura que preferiu os gozos efêmeros desta vida às alegrias da eternidade.

           Uma boa norma de proceder é que nos preserva de maus passos e desvios; e com a retidão, brandura e a firmeza é que nos podemos manter na vida cristã e preparar a rica messe do futuro.

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